ERVA E DÁLIAS NA LATRINA, CAPÍTULO VI, PALAVRAS 13965-14407
Saíram depois de Nina emudecer as luzes. Cobriu Apolo e Vénus com um lençol. Debaixo, Vénus abria a concha no escuro; lá dentro, retesava-se o vermelho Alicante, eterno e omnipotente. Edgar emudecera. Nina dizia que ele trazia as palavras nos tomates; que só falava de tomates sobrecheios. Alice, pelo contrário, era uma torrente. Não de palavras. Pelo menos não só. Tomara o braço de Nina como fazem as âncoras quando se engancham na terra que dorme no mar fundo. Sim, rumo ao canal! H. ria-se. A jovialidade de Alice deixava-o bem disposto. Pararam num boteco para comprar vinho e foram encostar-se aos muros de mármore triste que olhavam para o canal. Sentaram-se e passaram o vinho. As garrafas ainda estavam dentro das sacas de papel. Alice ria-se e bebia como se o vinho lhe escaldasse a carne da boca. Continuava abraçada a Nina e agora cheirava a tangerinas. H. perdera a ideia das horas e o vinho trouxera-lhe à vontade as pálidas e ponteadas pernas de Alice. Abeirara-se dela. Passas-me o vinho? Ela passou-lhe o vinho e ele sentou-se ao seu lado. Qual é a dimensão do absurdo? Talvez toda quanto possível. Deus confunde-se com o absurdo dizia, sorrindo. Acreditas no…? Não, não… manipulei tudo o que se pode julgar divino, o que se pode atribuir a… isso, sabes? há a coca e as anfetaminas que upa, upa, upa fazia gestos que ascendiam como um elevador estragado e os barbitúricos e as benzos e isto agitava a garrafa de vinho e tu controlas. e há o sexo e as consequências do sexo e eu nunca senti nenhuma porque não tenho, sabes…não apanhei nenhuma; mas tive uma filha que há de ter dois anos; deixei-a à porta de um talho e fiquei feliz porque, no dia seguinte, já lá não estava; feliz, percebes? abandonei-a sem pensar senão em mim; onde cabe Deus? deixei-a quando me começaram a doer as mamas… vendi-as e às minhas dores e ao meu leite a quem as quisesse chupar e nesse sentido tive muitos filhos. nunca tive um passaporte. gostava de vir a ter um passaporte para não ir a lado nenhum. já fui a tantos sítios e só lá estou verdadeiramente vários dias depois de ter partido para outro lado qualquer; eu nem SOU daqui, sabes? Isto é só uma paragem permanente. um dia terei um passaporte e inventarei países e forjarei carimbos e hei de os ir apresentar a uma agência de viagens. achas que me dão emprego? aposto que dão. e tu és? ah, sim. Ah, sim! tu queres-me, não é? ah, sim… podes. sim! claro que podes.
E sorriu.