ERVA E DÁLIAS NA LATRINA, CAPÍTULO IX, PALAVRAS 21400-21471

O dia chegou. Eram vinte mil pares de olhos e as luzes do ringue aqueciam o piso e as cordas. Primeiro, pisaram-no diversas lendas do desporto, acenando. Vinte mil pares de olhos brilhavam à luz das lendas. Havia pessoas de todos os lados e as mulheres espalhavam-se entre os melhores e os piores lugares. Tal como os homens. O mundo estava a evoluir e o desporto parecia trazê-lo a reboque. Um negro e um latino, um vencedor, um vencido as mesmas regras. O árbitro era branco, se querem saber. Subiu ao palco da peleja e foi vaiado, embora viesse a fazer um excelente trabalho durante o combate. Justíssimo. Dq, KO, TKO, tudo se aplicava da mesma forma. O piso era um tapete para os pés despidos e as cordas estavam boas. Depois subiu Serayva. Vinte mil pares de mãos juntaram-se para aplaudir o velho. Não foram os mesmos aplausos loucos, merecidos por Igor Salamante. Serayva trazia o habitual corpo circunspecto mas havia uma sensibilidade diferente nos seus olhos e lábios. Parecia quase contente e olhava para os punhos, flectia os dedos e sorria. Levantou a cabeça e o público apercebeu-se de uma perspicácia inaudita no velho, uma sabedoria anciã. Serayva fez um rápido jogo de pernas para delírio da audiência. Num ápice, a cara fechou-se. Tinha a cara feita de ferro e bronze e assim saiu do ringue, sem um aceno nem réplica de cortesia. O velho vai ser triturado; é tão velho, o negro, tão velho, o velho desesperado, desesperado por mais uma vitória, um clamor final para deixar cair o pano com a legitimidade de se ter dito lutador, uma última salva de palmas, um último grito em que o grito fosse o seu nome e depois acabou, é velho, é velho, uau! tão velho… Depois foi a vez de Igor Salamante e tudo era claro; e mais claro se tornou quando simulou uns golpes e dançou sobre o ringue. Era jovem e veloz. As pernas e os joelhos tinham um enorme crédito de juventude. Os ombros poderosos empurravam os punhos e os punhos rasgavam o ar que sibilava uma espécie de dor saborosa. Este tipo vai rebentar com o velho, olha para aquilo… não consigo ver os golpes que partem, é ágil, ágil como um gato, o velho não tem hipótese e vai cair cedo, muito cedo.

Não te atrevas a perder, velho.

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ERVA E DÁLIAS NA LATRINA, CAPÍTULO IX, PALAVRAS 20609-21399

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A culpa é dos poetas