ERVA E DÁLIAS NA LATRINA, CAPÍTULO IX, PALAVRAS 20609-21399
Ao raiar da madrugada, ouvia-se alguém atrás da porta. Um homem berrava e o outro homem berrava em troco. Cresce uma piça, velho; está na altura de deitares adubo nesses tomates velhos e de fazeres crescer algo que se queira parecer, nem que a muito custo, com uma merda duma piça, seu traste! Filho da puta, rebento-te o focinho mas antes disso parto-te os dedos e nunca mais escreves uma letra. Sim? sabes, torrãozinho… se me partisses os dedos, isto colocando a hipótese de que me consegues partir alguma cosia, eu sacava-a para fora L. L. James agarrava no chumaço das calças onde guardava a pila e escreveria com isto, entendes? eu só preciso disto, torrãozinho! ou também me vais partir isto? queres cortar-ma? cortar-ma à dentada? é assim que vais ser lembrado, sua uva passa… um velho merdoso, incontinente, um pedaço de esfíncter que não consegue conter a merda que lhe sai do cu, não consegue, não tem força sequer para manter a merda no cu nem o mijo nos tomates, hein torrãozinho, velho cara-suja? Vamos fazer o que viemos fazer e depois vais desaparecer muito depressa da minha vista Serayva regressara a si e quase se ria das palavras pueris e desesperadas de L. L. James anda, anda, vamos entrar, consigo vê-lo ali moribundo, está a vir, está a vir para aqui, vai abrir a porta. Jonesy! uau, é aqui que vives? aqui cheira a… L. L. James torcia a cara e levou a mão ao nariz ok, ok, uau… tu vives mesmo… ouve, miúdo, trouxe-te um presente apontava para Serayva desculpa não estar embrulhado e já não é novo heh, mas ainda veio pelo seu pé, tanto quanto pôde, quero dizer; ele quer dizer-te alguma coisa, não é velho? queres ou não queres, hein? A sós. Ok, ok! a sós! eu vou… para dizer a verdade, aquele café deu-me vontade de cagar, tens…? Ao fundo à direita, o autoclismo está… Ok, ok, mensagem recebida afastou-se lentamente, tapando o nariz e a boca com a mão. Olhou para o jornal. Continuava desmembrado e o economista olhava-o nos olhos. Nunca viste, cabrão? odeio economistas… Bateu a porta do wc e deu duas descargas ao autoclismo. As duas tímidas, insuficientes para limpar as humanidades da latrina. Ainda ali guardas a erva, no depósito do autoclismo? Sim… sim.. assim os cães… Sim, ouve, miúdo: eu não quero lutar; eu tenho tudo, percebes? Tudo? H. escarneceu de Serayva mas a cara do velho assustou-o de morte. Sim, miúdo… tudo; um dia, se tiveres sorte, vais perceber, ok? eu tive sorte, tenho tido imensa sorte, miúdo; e agora quero parar e desfrutar da minha sorte enquanto a tenho; quero dizer: desfrutar das minhas sortes, ok? Velho, tu tens… Cala-te. eu vou combater. Não precisas de o fazer, velho… Fecha a matraca, miúdo… de qualquer modo, não consigo aturar o cabrão do James… foi bater-me à porta e fodeu-me o serão e a noite e o dia e a noite seguinte e o dia depois disso e na noite a seguir estava outra vez aos berros no meu jardim e a Linda disse que me punha na rua se eu não fosse lá e não lhe desse o que ele queria ou então que o enchesse de porrada, a escolha era minha e tu sabes que eu… enfim, miúdo; eu vou combater. Velho… Cala-te, ainda não acabei. eu vou combater mas tu.., tu vais contar-lhe tudo, percebeste? eu não consigo, sabes… estar nesta situação e parece que o gajo se importa mesmo contigo… e tu… e a mulher do gajo… tens que contar-lhe, miúdo. A cara de H. humedeceu-se e os olhos tremiam mas depois pararam. Eu faço-o, velho. Eu faço-o. E fez. L. L. James pôs-se a andar. Depois voltou e rebentou com a cara de H. Depois pontapeou-o no chão, cuspiu-lhe na cara e chorou. No fim já só olhava para H. estendido na relva, abraçado ao baço que devia estar rebentado de porrada. Chorou e engoliu alguns soluços. Então virou-se e desapareceu com o sol, pela cloaca do horizonte.
Mas tudo isto também atestava a existência de um horizonte e H. estava sôfrego por um horizonte, por uma silhueta que se fosse concretizando à aproximação dum futuro, por uma interrupção na monótona tracção do infinito cuja potência newtoniana de torque espalha a fibra da obra em insípidas camadas de nada. No seu horizonte, H. avistava os monólitos com que o destino ou a vontade lhe colonizava os sonhos. Era a figura de Serayva cada vez mais nítida, embora a sombra se desvelasse em sombra. Era a abstracção da presença de Serayva, do seu corpo denso e negro que era um pisa-papéis sobre o mundo, impedindo-o de se estrear na desoladora novidade constante.